quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A inversão brasileira


As mudanças promovidas por D. João VI retiraram o Brasil da condição de colônia.
 
A fuga da família Real Portuguesa para o Brasil estabeleceu um episódio único na história das monarquias europeias: pela primeira vez, um rei do Velho Mundo viveu em uma de suas colônias. A situação, do ponto de vista político, era um tanto quanto embaraçosa para uma figura que deveria a todo custo reafirmar seu poder. Por isso, visando contornar o problema, dom João VI instituiu uma série de medidas que marcaram a chamada “inversão brasileira”.

Esse período de nossa história ganha tal nome por razões bastante simples. O uso do termo “inversão” indicava que o Brasil passaria por uma série de mudanças que deixariam de lhe conferir a simples condição de colônia, para então se transformar na sede do Império Português. Em âmbito geral, podemos dizer que a inversão foi notada com a criação de novas leis, cargos públicos, transformações formais e, até mesmo, a realização de grandes obras públicas.

Sob o ponto de vista administrativo, dom João fundou o Banco do Brasil, instalou a Casa de Suplicação (uma espécie de Supremo Tribunal) e criou a Junta Geral do Comércio. Além disso, promoveu a criação de três novos importantes ministérios: da Fazenda e Interior, da Marinha e da Guerra e Estrangeiros. Em geral, grande parte desses novos cargos públicos serviu de sustento para os vários súditos que acompanharam a Família Real em sua vinda para o Brasil.

No ano de 1815, o rei português extinguiu os estados do Grão-Pará, Maranhão e Piauí e do Brasil. Outro importante evento dessa época foi a elevação do território colonial brasileiro à condição de reino. Dessa forma, o império português passou a ser chamado de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Além disso, dom João VI também organizou tropas para uma violenta política externa que promoveu a invasão da cidade de Caiena e a conquista da província da Cisplatina.

Não se limitando apenas a ações de natureza político-administrativa, a inversão brasileira também foi marcada por novos hábitos propagados pela abertura dos portos. A partir de então, a corte instalada no Rio de Janeiro passou a disseminar novos hábitos que eram antes desconhecidos pelas elites locais. Surgem diversas casas de comércio especializadas na venda de artigos de luxo, roupas, móveis e mobiliário que introduziram concepções inéditas de conforto e status.

Esse visível processo de europeização também se manifestou no estabelecimento da Casa da Moeda e do Banco do Brasil. Ao mesmo tempo, o governo de dom João foi responsável pela criação de duas escolas de medicina (Bahia e Rio de Janeiro), a Academia Militar, a Academia de Belas-Artes, o Teatro Real, a Imprensa Real, o Jardim Botânico e a Biblioteca Real. Outra ação de destaque foi a organização da missão artística francesa que retratou paisagens e cenas cotidianas do país.

Tantas mudanças e benefícios mostraram claramente que o Brasil deixava de ser um simples espaço de exploração colonial. As novas benfeitorias e instituições pretendiam transformar a capital fluminense em uma cidade que estivesse à altura das autoridades que recebera. Entretanto, não podemos deixar de dizer que todas as modificações foram acompanhadas por ações autoritárias (confisco de casas para instalar a corte) e a elevação de uma série de impostos.
 

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Os bastidores da independência.

 











A transferência da Corte de Lisboa para o Rio de Janeiro em 1808 foi um momento decisivo no processo da independência política do Brasil. Com a presença da Corte, que abandonou Portugal por pressão e sob a proteção da Inglaterra, o Brasil passou a gravitar diretamente na órbita do nascente imperialismo britânico. Dentro desse contexto histórico é que se desenvolveu o processo que culminaria com a separação entre a antiga metrópole e a colônia. O assunto começou a ser efetivamente resolvido em outubro de 1807. Nesse momento, Portugal e Inglaterra firmaram a convenção secreta pela qual o governo inglês dispunha a ajudar o governo luso a transferir para o Brasil a sede da monarquia portuguesa, evitando que caíssem nas mãos dos franceses tanto as possessões lusas como os navios de guerra e mercantes e as forças militares de Portugal. A convenção secreta assegurava que, uma vez estabelecido no Brasil o governo luso, a Inglaterra se comprometia a não reconhecer como rei de Portugal outro príncipe que não fosse o herdeiro legítimo da casa de Bragança. Mas, assim que a Corte chegasse, seria iniciada uma série de negociações para a assinatura de um tratado de comércio e de assistência entre a Inglaterra e Portugal.
A instalação de um império luso-brasileiro com sede na América não era exatamente uma idéia nova. Ela já tinha sido aventada em outros momentos. Na década de 1780, por exemplo, entre os figurões da sociedade de Minas Gerais que reuniam-se para discutir a situação da capitania, as possibilidades e os alvos de uma sedição e as linhas gerais de uma nova ordem política e econômica, estava o cônego Luís Vieira da Silva, professor do seminário de Mariana e clérigo com formação intelectual na própria colônia. Ele integrava o grupo que tinha como centro ativo de conspiração a residência de João Rodrigues de Macedo, atual Casa dos Contos em Ouro Preto.
O cônego Vieira da Silva era simpático à instalação de um império luso-brasileiro com sede na América, mas sem romper a integridade da dinastia Bragança.

Estudioso da história e apaixonado pela sua terra, fez conjeturas sobre o que poderia ocorrer se no futuro a Coroa portuguesa tomasse a decisão de se instalar na América: “seria felicíssimo este continente se viesse para ele algum dos príncipes portugueses: mais, que a suceder assim, sempre corria risco de o quererem cá aclamar; e que o melhor de tudo seria mudar a Rainha a sua corte para a América”. Falando como um certeiro profeta, suas idéias sinalizavam que os inconfidentes não seriam hostis à possibilidade de manutenção da unidade dos portugueses das quatro partes do mundo. Na realidade, na Inconfidência Mineira houve o “entrecruzamento de tendências diversas”: inconfidências, no plural, contra elementos do sistema colonial, ora propugnando a idéia de um império luso-brasileiro centrado na América mantendo-se a unidade política da nação portuguesa sob a dinastia Bragança; ora sonhando com uma república em Minas Gerais e rompendo com a Coroa bragantina, mas preservando as instituições políticas locais. As inconfidências, entretanto, não devem ser interpretadas de modo teleológico, isto é, como elo de uma corrente de acontecimentos que culmina com o rompimento dos laços com a metrópole.
Do outro lado do Atlântico o projeto de constituição de um império luso-brasileiro também era acalentado e teve como um de seus principais mentores d. Rodrigo de Souza Coutinho, ilustrado dos mais importantes de Portugal, afilhado de batismo do marquês de Pombal e um dos ministros do príncipe D. João. Dentre suas propostas constava a transferência da capital do império para o Brasil, com objetivo de formar um grande Estado atlântico, do qual a metrópole constituiria o pólo dinamizador das relações comerciais do império e não mais o centro dominador e monopolizador.
Quando as potências européias fracassaram em debelar os avanços da França napoleônica, a idéia voltou à tona. A estratégia da transferência da Corte para o Brasil, contando agora com o apoio da Inglaterra, partia da avaliação de que Portugal não era a melhor parte da monarquia, ao passo que no Brasil o príncipe regente poderia criar um poderoso império. Forçada pela ameaça francesa de invasão e a pressão inglesa, a Corte “decidiu-se” a 29 de dezembro de 1807 mudar-se para o Brasil, levando ao extremo a lógica que privilegiava a manutenção do império colonial. A transferência da Corte fez-se acompanhar da abertura dos portos brasileiros, franqueando-se a entrada dos manufaturados ingleses e rompendo-se com o exclusivismo comercial, base do desenvolvimento manufatureiro metropolitano. Do ponto de vista econômico, no caso das relações entre Portugal e Brasil, a crise do sistema colonial só se iniciou em 1808.
O projeto da instituição do império luso-brasileiro, sediado na América, alimentado nos dois lados do Atlântico e que teve nos inconfidentes mineiros um de seus partidários, saiu-se vitorioso. O próprio príncipe regente D. João, ao pisar em terras do Brasil, fez questão de frisar que vinha fundar um novo império. O seu projeto logo recebeu adesão das elites políticas locais, que cederam moradias e outras facilidades para a Corte e sua grande comitiva, ancorada na percepção de que haveria “a sua participação na gestão da coisa pública com a maior proximidade do centro de poder”. A transferência da família real tornou realidade não apenas o propósito político de alguns inconfidentes de Minas de transformar a América em centro do Império, como também contemplou um de seus objetivos econômicos, comum aos inconfidentes da Bahia: a abertura dos portos. Entretanto, não destruiu o absolutismo e trouxe a negação de propósitos de outras inconfidências: a república, a liberdade e a igualdade.
A separação da metrópole provocou o primeiro dos grandes problemas internacionais da ex-colônia: o do reconhecimento, a que Portugal se opunha com tenacidade. A tradicional e inescapável mediação britânica teve então lugar. A Inglaterra pressionou Portugal a assinar o tratado em que Portugal reconhecia a independência brasileira. O governo brasileiro teve que ceder em vários pontos, entre eles a associação de D. João VI ao título imperial; a declaração de que a independência fora outorgada pela espontânea vontade do rei português; a promessa de não se ligar o Brasil a outras possessões lusas; e a compensação financeira na importância de dois milhões de esterlinos. Os diplomatas britânicos, como era de se esperar, fizeram de tudo para defender os interesses de seu país. E a chave desses interesses estava em assegurar a subordinação brasileira ao expansionismo mercantil britânico.
Oliveira Lima escreveu, em O Reconhecimento do Império, que “a compra da Independência por dois milhões de esterlinos, depois dela ser um fato consumado e irrevogável, foi um estigma de que a monarquia justa ou injustamente nunca pode livrar-se no Brasil e cuja recordação pairou sobre o trono até os seus últimos dias”. O mesmo historiador, em outro livro esplêndido, Dom João VI no Brasil, dá conta de outras tantas mazelas e ressalta que “a honestidade não era [ ] um traço característico da sociedade brasileira no tempo d’El-Rei Dom João VI. Indivíduos honestos, e no máximo grau, certamente se encontravam, mas não com a desejável freqüência”.
Apesar de tantos problemas, a instalação do império luso-brasileiro com sede na América favoreceu a independência política da antiga colônia. Por outro lado, a monarquia e os Braganças saíram-se vencedores, permanecendo no poder até 1889, ano em que D. Pedro II foi destronado pela instauração da República. Desde as negociações do reconhecimento da independência uma outra dinastia gradualmente passou a dominar os destinos do Brasil: a dos grandes banqueiros internacionais, com destaque para a célebre dinastia Rotschild. De empréstimo a empréstimo a país atolou-se até o pescoço. Para uma idéia do ponto que atingiu o endividamento externo basta lembrar que logo no início do século XX, precisamente em 1903, ao financiar as obras de embelezamento da capital federal planejadas pelo prefeito Pereira Passos, o Governo conseguiu da Inglaterra um empréstimo de 136.000 contos. Essa enorme importância era quase metade da receita da União, cerca de 312.000 contos. Para saciar a fome de recursos, recorreu-se também a empréstimos internos. Independência? Do que estamos falando mesmo?